terça-feira, 1 de março de 2011

A UFRJ pelas bandas do mar


Monólogo para Três Cabeças Pensantes- Parte II

ou

A UFRJ pelas bandas do mar


Aqui a ilha se amarela e o mar ao lado, acanhado, se esconde atrás do moderno edifício. O monstrengo da Petrobras se impõe sobre nossos sonhos e nossas pesquisas e nem mais nos incomodamos, afinal, a ponte nos livrará dos engarrafamentos e o carnaval e a chuva que não vem e o ano que pacientemente espere meados de março, quando atônitos e robotizados, enfrentaremos nossas tarefas e contaremos os feriados e notaremos que nossos alunos são mais e piores e que nossas instalações são as mesmas e não dão conta das nossas necessidades e cruzaremos todos os dias do palácio do petróleo e passaremos todos os dias pelos escombros do Hospital bombardeado por nossa omissão e descaso. Lamentaremos mas sem emoção, acabaremos por concordar que não há mesmo muito a fazer. As decisões, afinal não passam por nossas salas de aula nem por nossos laboratórios nem por nossas conversas e muito menos por nossos técnicos e alunos que não foram ouvidos nem sobre a edificação do monstrengo nem sobre a destruição intempestiva do hospital abandonado.

Aqui a ilha se amarela, o calor transborda de azul o cinza que se insiste cinza em nossos desassossegos. A UFRJ vendida aos editais se esquece de pensar o mundo. Das chuvas de Janeiro, estamos cuidando, os bandidos, Credo Cruz, evaporaram-se graças à eficiência de nossos policias, no Alemão só se fala inglês e pobre de Vito Manuel que não sabe inglês; do deserto de ideias que se inaugura em mais esse ano de faz de conta, não, ninguém se importa, ninguém percebe.

Aqui a ilha se amarela, o mar se foi por trás dos sonhos adiados, já não mais nos damos conta de sua presença, já nos esquecemos do sabor das aventuras e do alcance dos sonhos. Impedidos do mar, já não mais pensamos o Rio. Cobertos de medo, assistimos, silenciosamente, o naufrágio da UFRJ.


Sim, teremos eleições para reitor e os corredores buchicham e nos gabinetes, os telefones não param, mas imitando o país, com suas eleições silenciosamente eletrônicas, com suas repetições do mesmo, seguimos, mais outra vez, a triste lógica do “eu quero mesmo é me dar bem” e as chapas que se apresentam, representam mais o monstrengo que nos divide, o hospital que se desfez do que os alunos técnicos e professores que aqui trabalham com uma réstia de sonho e justiça em suas mãos.

Escondidas em silêncios e vergonhas as questões que uma universidade pública deveria levantar e refletir e debater e por fim, agir e deliberar, ainda se agitam. Há que escutá-las entre os escombros e espelhos desta ilha adormecida. Por onde andarão nossas ideias de ensino-pesquisa-extensão unificados e investigativos? Perdidas e desfeitas por pesquisas financiadas por interesses restritos ao mercado financeiro. Ensino desacreditado, envergonhado e extensão pífia. Aqui, professores são punidos se seus interesses se desviam dos das linhas previamente aquinhoadas por nossas agencias financiadoras. Aqui, professores são condenados a salas de aula. O ensino se tornou envergonhante, a extensão, pífia. Vive-se o faz de conta do progresso inevitável. Sem tempo para refletir copiamos o que se nos é imposto sem sequer conversarmos entre nós mesmos sobre o que estamos fazendo. Vivemos encastelados em nossos laboratórios sem saber o que estamos medindo e para quê? Vivemos preenchendo formulários e pedindo financiamentos e vendendo nossa capacidade produtiva a qualquer oferta de qualquer dinheiro. Há muito não mais nos preocupamos com nossas condições de trabalho. A UFRJ se terceiriza às grandes multinacionais e não existimos como universidade. As perguntas soterradas sob os escombros do que já não somos lentamente desaparecem. E o que sobra somos nós, esperando, silenciosamente, contando os feriados e esperando, esperando, enquanto o calor acontece. Não seria a hora, essa sempre agora, de pensarmos o que fazer com isso, antes de repetirmos os mesmos erros de sempre, antes de nos contentarmos, silenciosamente, mais uma vez, apenas com as mudanças dos nomes dos mesmos?

Prof. Ricardo Kubrusly

IM/HCTE/UFRJ

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