Manifestação no CEPG-UFRJ |
sábado, 21 de julho de 2012
Reflexões sobre a greve e a pós-graduação na UFRJ
Ricardo Kubrusly
para Débora,
in tempori belli,
com carinho
Quando
um elo se rompe a corrente se desprende e a roda se desalinha, se estende entre seus extremos e inventa início e fim em
seus sentidos. Uma hierarquia se instala impreterivelmente e a voz dos mais
poderosos se faz ouvir por todo lugar.
Seus mundos e desmandos, a lucidez e a insensatez de seus desígnios.
Zeus reúne nas escarpas do Olimpo seus deuses e pede a imparcialidade na guerra
das vaidades que na terra, mais uma vez,
se instaurava. Minerva, Atena dos olhos garços, filha devota bailando
revolta em sua cabeça magnífica, protesta contra os destinos das contendas. Não
era justo gritava, que os Aqueus fossem massacrados pelos Troianos como parecia
acontecer naquele instante, não era justo e ela desobedeceria, imortal que
era, as ordens do Pai, todo poderoso.
Zeus diante da filha rebelde, entre enfado e gozo, chama os deuses e
desafia-os: estica uma corrente de ouro das mais altas escarpas olímpicas até a
terra e instiga a todos que a puxem, com toda a força, na extremidade que toca
a terra e ele, com o leve puxão de um só dedo, faz voar pelo cosmo sem fim ou
retorno cada um que dele ousasse desobedecer. Não havia e não há paralelo para
a força dos que, conhecedores dos destinos, propõem e promovem a equidistância
entre os conhecimentos que se entre-disputam; e Ele adianta aos deuses e aos
leitores, no canto 8 da Ilíada para que estes se aquietem e não se
intrometessem nos destinos da contenda, posto que seu final já era contido em seu início no momento em
que se apresentava acontecimento, acontecimento esperado e que se cumpriria sem
que os deuses precisassem brincar com seus bonecos humanos. Os que lemos nessas
páginas, que atravessando o tempo nos encontram, não nos fala de livre arbítrio
entre mortais humanos em guerra, mas da uma postura necessária entre os deuses distraídos e seus
poderes.
O
que aprendemos com a narrativa homérica senão a perceber que a força desigual
das decisões unilaterais só deve ser empregada para assegurar a imparcialidade
dos acontecimentos, o que aprendemos impõe-se pela preocupação em cultivar a
liberdade dos movimentos entre saberes e ações, em prol da manutenção de um
círculo de forças concorrentes e respeitosas, da roda, que a corrente esticada
fortalece e em cuja tensão reside o segredo da compreensão e do entendimento
entre as diferenças que nos formam e fortalecem. O que aprendemos, já sabíamos,
sempre soubemos e, se a tentação do esquecimento se nos chama à fama ou aos
metais e seus brilhos, almas faustas em corpos mortais que somos, a pessoa que
nos forma e que se nos transcende em brilho e complexidade, ainda e sempre se
lembra o que a tradição ensina: Que é o
elo mais frágil que determina a integridade da corrente e, que ao rompê-lo, por
golpe certeiro ou ambição desmedida, o equilíbrio se perde e, com ele, o centro
não mais segura a roda que se desfaz. É a véspera da barbárie e o instante
injusto que instaura a injustiça que se estende entre seus extremos.
Na
estrutura universitária que vivemos hoje no Brasil e em particular nas
universidades federais e na nossa UFRJ, as rodas tensas e profícuas são sempre
nos discursos e nunca na prática que, desencantados que somos, construímos.
Redigimos equipolências entre ensino, pesquisa e extensão enquanto exercemos a
desigualdade e o preconceito entre eles que se deveriam ser o suporte
equilibrado de nossas instituições, assim não se comportam. Desprezamos o
ensino a uma posição subalterna e atrelada de maneira precária a uma pesquisa
que se esquiva dos problemas reais que vivemos para se concentrar nos umbigos
das ego-trips de nossos pesquisadores hiper-especializados que, carentes de uma
educação ampla e abrangente, nada percebem do mundo que se nos rodeia. O ensino
é usado como punição àqueles que não pontuam satisfatoriamente em uma tabela
extemporânea e anacrônica. A extensão é só um nome cujo sentido é imperceptível
para os que praticam o poder e a gestão dessa e de outras universidades no
país. A extensão não existe, o ensino não conta e a pesquisa é, na maioria das
vezes, pessoal e atrelada a interesses no mínimo suspeitos e distantes das
nossas questões sociais mais importantes.
Essa não é a Universidade que queremos, que dizemos que queremos e que
escrevemos em nossos relatórios oficiais. Essa realidade não se espelha nos
nossos discursos e propostas, nossa prática é perversa e nosso futuro como
fórum de discussões das diferenças e das diversidades dos pensamentos e
reflexões, é nenhum.
O
que fazer com isso? Trabalhar por um cenário mais favorável, por uma realidade
mais desdisciplinar e efetivamente mais transformadora, sim, mas como? Nas
pequenas e nas grandes ações, dentro e fora das salas de aula, abrindo as
caixas pretas dos laboratórios e tornando público os segredos do conhecimento.
Saber não tem nem pode ter
fronteiras. Conhecimento científico não é segredo, é público, como são
públicos, ou tem de ser públicos, nossos orçamentos e gestões. Precisamos de
autonomia com transparência e de remunerações que nos permitam autonomia e
transparência para pensar os problemas que se apresentam para o coletivo e não
nos que se apequenam em nosso eu desesperado.
Eis
a pauta de nossa reivindicação. É isso: essa é nossa greve e a pós graduação
não pode ficar, mais uma vez, fora dos acontecimentos. Esse exercício de
esquizofrenia que vive uma pós sem conflitos em uma universidade dividida não
mais se sustenta e essa Minerva inconsequente, obviamente, se equivocou.
A
greve que ora em curso se nos apresenta em suas batalhas e negociações com um
governo imediatista e descompassado com os destinos transdisciplinares da
sociedade, destino esse que é percebido nos discursos universitários, mas nem
tanto em nossa prática, reatará os elos e fortalecerá nossos círculos de
conhecimento e a roda de vida e verdades, com suas possibilidades de encontro e
transformações e nossa pós-graduação, com suas novidades mais interessantes e
suas novas propostas interdisciplinares, não pode ficar de fora. O elo mais
fraco que se rompe e, parte a corrente e arranca o centro e cria a distância
entre as diferenças, não é o ensino nem a extensão precários em nossas
universidades precárias, pois estes entre desejo e memória se reinventam no
invisível de suas práticas. Contudo é a Pós e suas excelências que atrelada
apenas a si, se vê lançada em um cosmo sem rumo sem retorno e sem delicadeza.
A
vaidade é pouco para ser destino e a UFRJ precisa reatar os círculos que nos
fortalecem e as rodas que nos sustentam e possibilitam.
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